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  • Foto do escritorABRAPLEX

A história da exibição no Brasil


O prédio do cinema dava para a praça principal da cidade. A bilheteria tinha vista para a rua. O espectador esperava na fila, pacientemente, pela sua vez; comprava os ingressos e se dirigia ao foyer do cinema. Provavelmente, o edifício — chamado nas capitais de Palácio — era uma construção erguida entre os anos 1920 e 1950. Alguns em estilo art déco. Nas cidades médias e pequenas, sua arquitetura era mais simples e lembrava galpões, ou seja, espaços com área livre e tinham uma tela de 10 a 12 metros de largura. Na bombonière, uma ou outra opção de bala para agradar o freguês. Ao entrar na sala, mil ou até duas mil cadeiras para escolher onde se sentar. Com um pouco de sorte, a vista podia ficar livre, mas, caso houvesse alguém na frente, o espectador ficava com a visão prejudicada, visto que as cadeiras eram próximas umas das outras, e o piso em declive suave propiciava pouca diferença de altura.


A descrição mostra um pouco da experiência de ir ao cinema até bem pouco tempo atrás. Tudo era diferente: o jeito de se exibir cinema, os espaços onde os filmes eram projetados, as cidades e suas configurações e o modo como a sociedade consumia produtos e serviços. Todos esses fatores mudaram. Mas vamos começar do início.


No começo do século XX, os grandes distribuidores europeus ingressaram no Brasil. A Pathé chegou a ter o mais expressivo circuito de salas de cinema na antiga Capital Federal. A partir de 1915, os grandes estúdios norte-americanos entraram no país. Quando as majors abriram suas filiais por aqui, ampliaram um modelo de contrato de exclusividade distribuidora-exibidora. Os distribuidores tinham uma carteira de filmes que era exibida em primeira mão em determinada rede de cinemas e vice-versa, ou seja, as exibidoras também exibiam exclusivamente a carteira de determinada distribuidora. Muitas vezes, a distribuidora era a própria exibidora, como pode ser lembrado pelo circuito da Metro, com salas espalhadas por diversas capitais do país; pela Art Films, com os filmes europeus ou, ainda, pela Severiano Ribeiro, proprietária dos estúdios Atlântida, maior produtor das chanchadas, grandes sucessos do cinema nacional na década de 1950.


Com o tempo, as salas de cinema começaram a se espalhar pelo país. O Circuito Serrador, que nos anos 1910 dominava o mercado paulistano, ingressou no Rio de Janeiro e, na década seguinte, montou a Cinelândia (“Quarteirão Serrador”), que copiava o modelo nova-iorquino do Times Square, com diversas grandes salas, os chamados “palácios de cinema”, instaladas em um único local. Este empreendimento não foi um sucesso imediato, fazendo com que a Serrador, em dificuldades financeiras, vendesse as salas de cinema que possuía na Capital Federal para Luiz Severiano Ribeiro, que já tinha cinemas no Nordeste e já se instalara nos subúrbios da metrópole carioca. Desta forma, a Companhia Serrador concentrou-se em São Paulo e a empresa de Luiz Severiano Ribeiro passou a dominar o Rio de Janeiro e grande parte do Nordeste. Havia, ainda, outras significativas exibidoras nestes territórios, como os Cinemas Caruso, a empresa de Vital Ramos de Castro e a empresa do precursor Paschoal Segreto, que disputavam a exibição de filmes das mais diversas origens.


A Segunda Guerra Mundial reduziria ainda mais a capacidade de produção de filmes europeus. Mesmo com o término do conflito e com a retomada da produção de filmes em diversos países, os estúdios norte-americanos sustentaram a liderança do setor, mantendo o mecanismo de exclusividade de exibição da produção de cada marca. No final da década de 1950, com o avanço da produção das cinematografias europeias, surgiram novas oportunidades no mercado, refletidas na maior oferta de filmes, fazendo com que empresas como o Circuito Sul-Paulista de Cinemas, a Cinematográfica Haway, a Arco Íris, a Condor, a Franco Brasileira, o Circuito Lívio Bruni, a Cinematográfica Pedutti, a ArtFilms, a Famafilmes, a Araújo & Passos, entre outros, crescessem, oferecendo condições competitivas às duas grandes exibidoras, o que resultaria em um novo desenho de mercado, inclusive forçando a transferência das exclusividades de alguns estúdios para si.


A trajetória de uma cópia

Os cinemas tinham algumas características marcantes como negócio. Eles estavam presentes nas praças principais das cidades médias, ou em três ou quatro polos estratégicos nas capitais — como a Cinelândia, a Praça Saens Pena, na Tijuca, e Copacabana, no Rio de Janeiro, ou na Avenida São João, na Avenida Paulista, no Brás e, posteriormente, na Avenida Faria Lima, em São Paulo. Nas cidades do interior, era comum que o dono do cinema fosse também o proprietário do imóvel. Nas cidades pequenas tratava-se de um negócio familiar com parentes próximos na bilheteria e tomando conta da bombonière.


Até a década de 1960, era comum que os grandes filmes fossem lançados com exclusividade em uma ou duas grandes salas, permanecendo em cartaz por longos períodos, antes de seguirem para os bairros, subúrbios e demais cidades. Há casos registrados, como o de A volta ao mundo em 80 dias, lançado exclusivamente no Cine Rivoli da capital paulistana, reformado para este lançamento, e que permaneceu em cartaz por mais de um ano.


Além das características físicas e do modelo de negócios, o mercado exibidor tinha restri-

ções bem marcantes. Um grande lançamento cinematográfico era feito com, no máximo, 70 cópias, na melhor das hipóteses. A comparação com os dias de hoje é até covardia, visto que um lançamento grande hoje em dia é feito com 1.300 cópias. Nos anos 1960 e 1970, um grande filme era lançado primeiramente no Rio de Janeiro, com oito ou nove cópias. Depois do Rio, o filme ia para São Paulo. Lá, era lançado na Avenida São João, no Centro, na Avenida Paulista, na Avenida Faria Lima, e passava por cinemas de bairro. Mas, se o filme fosse muito grande, entraria em cartaz em Campinas, em Santos e no ABC paulista. Só depois o filme circularia em outras praças. O atendimento de todo o circuito nacional poderia levar dois, até três anos.


Mudança nas cidades

Essa estrutura se enraizou e se espalhou pelo país. Com o passar dos anos, as configurações das cidades, grandes e médias principalmente, foram sofrendo profundas transformações. Assim, o Brasil chegou aos anos 1970-1980 com um parque exibidor extenso e uma indústria cinematográfica aquecida. Foram momentos emblemáticos para o mercado exibidor. Em 1975, o Brasil alcançou o patamar inédito de 3.276 salas e um público de 275.380.446 pessoas. Foi um dos melhores momentos do mercado de cinema no país, mas as salas estavam velhas e deterioradas.


Não foi apenas o mercado cinematográfico que ganhou fôlego e se embrenhou pelo interior. Vários outros setores da economia brasileira passaram também por profundas transformações. E isso iria afetar novamente as exibidoras nacionais.


Os anos 1970 e o início dos anos 1980 foram emblemáticos para o cinema. Apesar da chegada da televisão no país, a sua propagação para todo o território nacional foi lenta e gradual. Da chegada da TV ao Brasil, em 1950, até a obtenção de cobertura nacional superior a 90% de nosso território, passaram-se mais de 30 anos, diferentemente de países como os Estados Unidos, em que se obteve tal índice ainda nos anos 1950. Não tendo um oponente tão forte, foi também um momento áureo para o crescimento e desenvolvimento da atividade cinematográfica nas cidades pequenas e médias, ao mesmo tempo em que se percebia a alteração do comércio e dos serviços, com o avanço dos grandes magazines, das redes de supermercados e a expansão dos grandes bancos. Porém, com o avanço da televisão, os palácios dos cinemas das cidades grandes e os galpões das cidades menores mostraram-se espaços perfeitos para o novo tipo de comércio, devido às suas dimensões, ao perfil arquitetônico e às suas localizações.


Assim, os cinemas passaram a dar espaço aos supermercados e aos bancos, antes regionais, que se transformavam em bancos nacionais. Os templos evangélicos e pentecostais também se proliferaram, comprando os cinemas. Muitos daqueles que sobreviveram tentaram se dividir em duas ou três salas. Outros passaram a exibir cinema pornô, após a redemocratização do país, que permitiu a exibição deste tipo de filme.


Shoppings, o caminho natural

As exibidoras encontraram no cinema pornográfico uma porta de salvação. Era, no início, um fenômeno de bilheteria. A tentação falou mais alto e eles não hesitaram em transformar suas salas em casas do gênero. A euforia não durou muito devido ao grande sucesso do videocassete, no final dos anos 1980 e no início dos anos 1990. Algumas salas até tentaram voltar à programação normal, mas o público estava desconfiado demais para

acompanhar a mudança. E, para piorar, uma sala pornô acabava por degradar toda a região do entorno, e o público parou de frequentar não apenas as salas que se transformaram em cinemas do gênero, mas também aqueles cinemas das redondezas com programação normal. Este fenômeno ocorreu em praticamente todas as capitais do país, agravado pela crise de segurança nos centros urbanos.


Salas pornôs, violência nas ruas das grandes e médias cidades, mudança da configuração do comércio, da circulação e dos serviços das cidades. Muitos cinemas fecharam e foram vendidos. Era preciso encontrar um novo espaço, e os shoppings passaram a ser um caminho natural por oferecer conforto, segurança e entretenimento.


Os shoppings surgiram no Brasil em 1966, sendo o Iguatemi, de São Paulo, seu primeiro representante, com duas grandes salas de cinema com mais de mil poltronas, como se fossem uma sala de cinema de rua. Na década seguinte, o crescimento desse mercado foi lento, porém constante, e serviu de base para a verdadeira indústria de shoppings centers no país, que foi se formando aos poucos, assim como os hábitos de consumo de milhares de brasileiros foram radicalmente modificados, com os centros geográficos perdendo suas lojas para os novos centros de compra.


A explosão aconteceu, efetivamente, na década de 1980. Somente nos dois primeiros anos, foram inaugurados 14 shoppings no país. Em 1989, o Brasil computava 54 centros comerciais desse porte oficialmente reconhecidos pela Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce). Os cinemas resolveram acompanhar essa tendência e também foram para os grandes centros comerciais, implantando acanhados conjuntos de pequena lotação com até três salas instaladas no mesmo local.


No entanto, o cinema era visto como um forte concorrente das lojas e dos serviços ofereci-

dos nos shoppings, em termos de custos e de ocupação de espaços. Por isso, foram inseridos com cautela. Além disso, os espaços dedicados às salas de cinema não eram diferentes dos espaços das lojas. Ou seja, a infraestrutura para os cinemas era precária e eles precisavam se adaptar ao contexto. O resultado foi um tanto negativo. As salas eram pequenas, com pé direito baixo e com telas que não passavam de sete metros, consideradas pequenas demais (para se ter uma ideia, uma tela média atual tem em torno de 12 metros de largura por 5 metros de altura). Não havia sequer inclinação; havia, no máximo, rampas.


A má qualidade dos cinemas fez com que muitos deles fossem fechados. Os cinemas ruins afastaram o espectador, que já tinha uma televisão consolidada, o videocassete, entre outras ofertas de entretenimento.


A televisão ficou ainda mais popular nos anos 1980. Para se ter uma ideia, em 1960, apenas 4% dos lares tinham um aparelho de televisão. Já em 1980, o número pulou para 24% e, ao longo da década, alcançou a marca de 56%. O videocassete colaborou ainda mais para que as pessoas passassem mais tempo na frente das telas de TV. Quando surgiu, em 1982, fez concorrência direta com o cinema. Se no início ele era um aparelho de luxo, importado dos Estados Unidos, em dez anos ele se popularizou e, em 1991, já havia 12 milhões deles e 8 mil videolocadoras em todo o país. Em contrapartida, a decadência dos cinemas no Brasil chegou ao fundo do poço, com um total de apenas 1.033 salas distribuídas por todo o país e apenas 60 milhões de espectadores em todo o ano de 1995.


Em seguida, vieram novos formatos, como o DVD, o Blu-Ray, sem esquecer a TV por assinatura, que mais recentemente se desdobrou com o video on demand (VOD). Todos esses fatores deram ao público um conforto maior em casa. A qualidade da imagem estava boa, assim como a do som. A concorrência cresceu ainda mais com a expansão da internet banda larga, o aumento do alcance do VOD e a entrada de plataformas on-line de

streaming para se assistir a filmes e séries.


Para espantar a preguiça do espectador e fazê-lo sair de casa, as exibidoras foram atrás de qualidade em serviço, tecnologias de última geração e conforto em suas salas, como já ocorria no exterior, desde o início dos anos 1980. O resultado foram os multiplex, que, no Brasil, só surgiriam no fim da década de 1990, e transformariam o modo de ir ao cinema e assistir a um filme.

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